quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Casamento

Toca o telefone. Do outro lado da linha o vizinho convoca para um campeonato de videogame:

- E aí meu? Vai rolar um campeonatinho e a gente tá te esperando pra completar a chave. O jogo do Colorado tá uma bosta mesmo! Tu tá em casa pelo menos?

- Tô sim, me dá uns 10 minutos?

- Tu tá fumando um ou fazendo alguma coisa que preste?

- Não, não. Já tô indo. Vai escolhendo os times. E ninguém pega o Manchester.

- Falou.

Atravessa a rua e o cenário é caótico. A filha pequena do anfitrião vem à sala perguntar porque fazem tantos campeonatos. Está com sono, reclama a falta da mãe que está do outro lado da rua, refugiando-se dos palavrões e conversas sobre esquemas táticos para o futebol de brincadeira. A cada 5 minutos a pequena vem até a porta e pergunta quando vai acabar o campeonato. Acho que não compreendeu o que queria dizer turno e returno. A mãe entra na sala, não sem antes esperar a bola sair pela lateral para não atrapalhar ninguém.

Conformada, ainda tem tempo de ser simpática:

- Algum de vocês quer um sanduíche? Tá na mesa, mas vem servir que eu não sirvo nem meu marido. Vamos deixar de frescura...

- Não, obrigado, estamos bem. Quem não vai bem é o Chelsea que empatou as duas primeiras e vai ter que suar sangue pra ganhar o torneio.

- Credo, cada papo esse de vocês, diz ela.

Gargalhadas. Dali a pouco um grito:

- Ai merda, pisei num bicho, diz a dona da casa.

- Hummm, e aí? Que bicho? Pergunta o marido, crente de que era frescura.
O dono da casa e marido ganhava por dois gols a um e dava um grande passo em direção ao título. Atenção ao jogo somente e sua mulher que esperasse um pouquinho, que se podia fazer? Enquanto se defende como pode no jogo tenta ser gentil e atencioso com a mulher que quase chora por conta do incidente:

- E aí amor? Tu tá sentindo algo no pé?

- Tô sim. Ardência e dor. Que porra é essa?

Carregando o bicho com uma pinça ela faz o campeonato entrar em recesso para uma análise dos três gamers da rua. Caralho, o bicho era bem estranho, nunca viram nada parecido. Do tamanho de um grilo e com uma mancha amarela no dorso fedia horrores. Enquanto isso o campeonato ainda tinha duas rodadas a serem disputadas e o Manchester e o Boca ainda brigavam, enquanto o Chelsea era estuprado impiedosamente pelos outros dois.

- Cara, eu nunca vi essa merda, mas deve ser uma espécie de barata essa naba. Vai saber, tem cada coisa aqui nessa rua...

- Parece uma aranha, diz ela.

- Não, se fosse uma aranha teria quatro pares de patas e duas quelíceras.

- O que são quelíceras?

- Deixa pra lá. Aranha não é.

- Nem besouro.

- Barata, nem pensar.

O dono da casa interrompe atônito:

- Galera, isso é um grilo. Eu conheço, quando era piá vivia brincando com eles.

- Tá bom velho, grilo com mancha amarela? E não existia Playmobil quando tu era criança? Comandos em ação?

- Meu, não fode, eu conheço grilo.

- Brother, grilo não tem mancha nas costas. Quanto mais amarela.

- Ué, foi tu quem disse que nessa rua tem tanta coisa...

Agora quem cansa é a mulher:

- Tá, deixa assim. Vou limpar a área do pisão pra ver se não tem ferrão ou coisa assim e a gente fica de olho. Guardo o bicho caso precise ir ao médico?

- Guarda nada! Joga ele no chão que eu vou pisar também, diz o marido. Porque quando casamos o padre me fez falar um monte de coisas malucas das quais não lembro a metade. Lembro dele falando algo que terminava em saúde e doença. Serve pra pisada de bicho desconhecido, provavelmente.

Dali em diante todo mundo só conseguia dar gargalhadas. A mulher já não sentia mais a ardência. No final, o Boca levou o título e ninguém descobriu qual era o bicho. Uma das alternativas apontava uma vespa, ainda que todas as vespas que já vimos tenham asas. Tomara que pelo menos não seja nada nocivo.

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